O cidadão comum de Brasília é obrigado a fazer nas catacumbas do inferno aquilo que os políticos fazem no frescor do ar condicionado
Quem vive na correria indo de um lado pro outro, pegando ônibus e metrô de casa pro trabalho, do trabalho pra faculdade e da faculdade pra casa de novo – isso sem contar as escalas no banco, no cartório e no barzinho pra um happy-hour com a moçada –, sabe que sempre há aquela hora cruel do dia em que sentimos uma vontade incontrolável de sentar no trono e fazer aquilo que urge ser feito.
Aí bate a dúvida mortal: onde dar cabo de tão íntimo e inescapável procedimento? A maioria do pessoal sabe que nessas horas o melhor é procurar um daqueles higienizados e padrozinados banheiros de shopping-centers ou outros do mesmo jaez em estabelecimentos de fast-food, como Bobs e McDonald's.
O ideal é que esse momento privado de autoconhecimento se dê no aconchego do lar, onde estamos já bem instalados e temos sempre à mão uma leitura instrutiva (recomendo crônicas leves e bem humoradas ao estilo João Ubaldo ou Fernando Sabino). Mas o mundo (e o metabolismo) nem sempre funcionam como a gente gostaria.
Irônico, porque deveria ser função do Estado oferecer serviços primários à população, como água, luz e saneamento básico. No entanto, cabe à iniciativa privada e às cadeias de lanchonete oferecer sanitários com um mínimo de dignidade, enquanto o governo está muito preocupado comprando armas de raio laser pro DETRAN chocar a população nas madrugadas.
Peguemos como exemplo os banheiros da rodoviária do Plano Piloto. Por lá passam mais de 700.000 pessoas por dia, que têm necessidades fisiológicas tanto quanto qualquer presidente ou general estrelado. No entanto, esse povaréu é tratado como gado. Pior do que gado, diga-se, porque o rebanho bovino ainda tem uma moitinha serena pra chamar de sua na paisagem bucólica dos pastos.
Já os banheiros da rodoviária em quase nada diferem das catacumbas do inferno. Se bobear, são piores. Neles, ao entrar já se sente o odor putrefato de clorofórmios fecais bailando no ar. Vírus, bactérias e enxames de seres microscópicos e asquerosos atacam na mesma hora o cagão incauto (deixemos de eufemismos: estamos falando de desenrolar um cagadão, escorregar o moreno, dar aquela barrigada, cortar o rabo do macaco, abrir a máquina de churros, apontar a luneta pro bueiro).
O próprio capeta mexe com sua colher sulfurosa a malfazeja mistura de fezes e urina que fermenta em cada latrina. As paredes encardidas e o calor sufocante impedem o esfíncter de se dilatar devidamente, isso se você tiver coragem de sentar nas colônias de vermes que abundam no vaso sanitário. Papel higiênico e sabonete líquido, nem pensar. O menos pior é fazer de cócoras, com os pés apoiados sobre o vaso, e depois limpar com um pedaço de jornal (a coluna de Maria Paula no Correio é aconselhável).
Pouco provável que o gDF (andam cravando assim, com "g" minúsculo) venha se preocupar com esse problema tão simplório dos desafortunados, e que o seu czar Agnelo (ou Agnulo) perca 3 minutos do seu precioso tempo com isso. Mas volto a lembrar que por lá passam mais de 700.000 pessoas por dia, e quando vierem as próximas eleições os candidatos podiam se lembrar disso.
Estamos cansados de promessas vagas e vazias como "melhorar a educação", "fazer uma revolução na saúde" ou "construir escolas." No século XXI, o candidato deve ter planos concretos e boas ideias que agilizem a vida das pessoas. No último pleito, a intrépida Weslian Roriz (olhem o naipe da política na capital da República) prometeu sustar todas as multas aplicadas pelo DETRAN. A velha era uma piada de mau gosto, mas é desse tipo de proposta que estou falando. De resto, será que ela conseguiria se sair pior que o Agnulo?
Por isso, anotem aí, candidatos, e passem a sugestão pros seus respectivos comitês de campanha: "Se eleito for, prometo fazer dos banheiros da rodoviária um exemplo de asseio e bom gosto, do nível dos banheiros do McDonald's. Limpeza de tantas em tantas horas, espelhos tinindo, fartura de sabonete líquido, papel higiênico dupla face e uma musiquinha ambiente pra relaxar os músculos." Vamos ver quantos votos isso rende.
Retirado de: http://brasil247.com/pt/247/brasilia247/59040/Política-Sanitária-Zero.htm